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(os meus afilhados e netos de praxe em Coimbra, por quem sou profundamente apaixonada)
"Certo é que a liberdade de escolha do que fazemos da nossa vida - sentir que somos comandantes do nosso destino - está ligada à felicidade."
Em novembro de 2017 congelei a matrícula na faculdade. Estava no 4°ano de medicina, tinha uma vida aparentemente normal e foi um choque para algumas pessoas uma "boa" aluna como eu sair do curso assim de repente.
Certo é que muitos ainda continuam a conspirar acerca do motivo que me levou a fazê-lo... Questionam se foi por questões financeiras (sustentar um curso e uma casa quando estudas noutra cidade não é nada fácil), por problemas pessoais ou até de saúde.
Na verdade, não foi nenhum desses motivos ou talvez até tenham sido todos...
Vivi 3 anos incríveis em Coimbra, adorava o meu curso, os meus amigos, a rotina de ir e vir, fazer malas, ser independente, sair sempre que quisesse e cuidar de mim à minha maneira. Mas no quarto ano, essa rotina apoderou-se da minha vida e adicionar o trabalho a uma carga horária da faculdade já exagerada começou a trazer sérias consequências na minha saúde mental e fiquei esgotada emocionalmente.
Não que seja impossível estudar medicina e trabalhar. Não é. Mas quando estás fora de casa dos teus pais, tens obrigatoriamente que perder tempo a cozinhar, arrumar, preparar as coisas para ir de fim-de-semana, entre outros. E eu sempre tive tempo para isso tudo e ainda para fazer coisas que me faziam feliz como ir ao ginásio, passear, sair com os meus amigos e participar em atividades para além da faculdade.
Quando comecei a trabalhar, trabalhava 2 ou 3 dias em Coimbra (basicamente nas minhas tardes livres) e ainda chegava ao Porto aos fins-de-semana e ia trabalhar 1 ou 2 dias... Ainda tinha imensas reuniões da Assembleia de Freguesia/Municipal de que faço parte sempre que vinha ao Porto. Começou a sobrar muito pouco tempo para mim. Para os meus amigos. Para o ginásio. Para passar horas a cozinhar o que mais gosto ou simplesmente a ler e a escrever.
A minha rotina era faculdade - trabalho - dormir - Porto - ver a família (e nem sempre via) - descansar - trabalhar - Coimbra e vira o disco e toca o mesmo. Cheguei a um ponto em que chorava quando tinha que voltar a Coimbra mas também chorava quando tinha que voltar ao Porto. Sentia que não queria estar em lado nenhum. Só parar, fugir e colocar o meu bem-estar à frente do resto. E foi com esse acumular de stress e aborrecimento que decidi congelar a matrícula.
O aborrecimento também foi proveniente do facto do curso não parecer tão interessante como outrora. Comecei a aperceber-me de que a medicina, apesar de ser absolutamente incrível e interessante como um todo, consegue ser extraordinariamente aborrecida em cada uma das suas partes. Concretizando, a partir do 4° ano as cadeiras são, no fundo, as especialidades médicas que o teu plano de estudos abrange. Obviamente que gostos não se discutem mas comecei a achar que a medicina não era para mim sempre que tinha que ir para as aulas de dermatologia, otorrinolaringologia ou oftalmologia e eram todas super entediantes para mim. Vibrava com cirurgia mas não vibrava com a hora e meia de espera com que o Professor nos presenteava todas as semanas. Vibrava com gastroenterologia mas nao vibrava com o facto do meu Professor ser tão inteligente e saber tanto que nos fazia sentir burros e pouco aptos ou dotados para o exercício da medicina. Gostava de terapêutica mas sentia-me, mais uma vez, uma ignorante nas aulas práticas, quando era suposto saber nomes de fármacos que tinha aprendido no ano anterior e não me recordava. Quando tinha que demonstrar um raciocínio clínico que ainda não estava totalmente aprimorado pensava para mim "que tipo de médica vou ser?".
E o stress da rotina juntou-se ao stress de não saber se estava à altura da responsabilidade exigida pela profissão médica...
O terceiro ponto foi o facto da medicina já não ser uma "segurança" como era antigamente. Hoje em dia, contrariamente ao que a maioria das pessoas pensa, há médicos que não tem vaga na especialidade e têm que emigrar. Há desemprego médico. Há descontentamento e frustração pela grande maioria deles ficar num local e especialidade que não eram os mais desejados. Passas 6 anos a estudar para chegares ao fim e não teres garantias. Sem segurança, no fundo.
Já me disseram várias vezes que é preciso "ter tomates" para desistir após 3 anos de um curso, quando tens média de 15 e uma vida noutra cidade. Na verdade não se tratou de ter tomates mas sim de me colocar à frente do resto. De ser o centro do meu mundo e não continuar infeliz só porque o suposto é continuar um curso porque já fiz 3 anos e gastei muito dinheiro com ele.
E a reflexão revelou-se extremamente compensadora.
Reconstrui-me como pessoa e como ser humano. Aprendi a gostar novamente de mim, da minha vida e a ser a minha melhor companhia. Aprendi a ser feliz com todas aquelas coisas que havia abdicado, como a escrita, a leitura, o exercício, as arrumações e os cozinhados. Aprendi que não devo nunca abdicar delas em detrimento de qualquer curso ou trabalho. Eu ser feliz comigo deve ser sempre a prioridade. Só depois vem o resto.
Descobri que sim, tenho efetivamente vocação para medicina. Assim como tenho para o direito e para a gestão de empresas e quiçá para ser escritora ou política um dia (não considero profissões mas sim complementos).
E aprendi a arranjar soluções para todos os meus problemas ou objeções.
Muito embora sejam 6 anos de mestrado integrado, todos os meus colegas que acabaram medicina referem que no fundo, pouco ou nada retiveram e só vão decorar mesmo o essencial na especialidade, quando só abordarem a parte que lhes interessa da medicina. E não serão piores médicos por isso. Também sou apaixonada pela investigação médica e, se tiver oportunidade, é nessa área que quero trabalhar, para além da docência e medicina desportiva, que adoro.
Uma vez que perdi um ano, vou acabar medicina com 25 anos, fazer o exame de especialidade em 2021 e só vou começar o ano comum, de trabalho renumerado, se tudo correr bem, em janeiro de 2022.
Como redescobri entretanto a minha principal vocação no direito, tenciono inscrever-me na dupla licenciatura de direito e gestão em 2021. Serão mais 5 anos passados entre trabalho como médica e formação em 2 áreas que adoro. Se tudo correr bem, acabo em 2026, com 30 anos. Terei 30 anos, serei licenciada em Direito e Gestão e mestre em Medicina.
E depois disso, serei efetivamente uma pessoa mais realizada e feliz. Não é obrigatório teres um único destino ou profissão. Podes ter várias e dedicar-te na mesma a cada uma delas. Ter um plano ajuda-te a enfrentar melhor as dificuldades e a ter mais força de viver.
E saber o que queres (mesmo que queiras muita coisa) é crucial para teres motivação.
O nosso sonho não se pode limitar a uma profissão, ou várias. Porque o meu sonho não é ser médica, advogada ou gestora de empresas. O meu sonho é mudar o mundo. Desde pequena que me tenho habituado a ouvir a frase "Diana, não podes mudar o mundo sozinha". É parcialmente verdade, se não tiveres ambição, uma boa equipa e um bom plano. Mas é mentira quando tens isso tudo e a tua principal motivação é defender o que acreditas, sem segundos interesses.
Quero ser advogada de causas, trabalhar para o pobre e para o fraco, para o martir e para o refugiado, para pretos e brancos, para ambientalistas, para ONG's e para todas as causas em que acreditar. Quero trabalhar, sem ganhar dinheiro, só com a intenção de tornar o mundo melhor grão á grão, tijolo a tijolo. Esse é o meu principal objetivo.
A medicina será sempre um meio de sustento e uma paixão, que não deixa de ser importante por não ser a principal. A gestão de empresas outra, por me dar também meio de sustento para poder abraçar as causas que bem entender sem ganhar dinheiro com isso.
A minha teoria da felicidade sem dinheiro não é exequível em pleno século XXI. Mas acredito que vou ser muito mais feliz no trabalho em que não ganho dinheiro do que nos restantes. Porque defender aquilo em que acredito é e será sempre aquilo que me move.
Sou focada, determinada e no fundo, uma pobre fazendo pobrice, que só quer ser feliz.